A POLÍTICA DE TERRAS NA AMAZÔNIA LEGAL
Paulo Sérgio Sampaio Figueira Advogado
No Brasil, há dois principais territórios geográficos para a região: Bioma Amazônia e Amazônia Legal. O Bioma Amazônia possui 4,2 milhões de km2, sendo definido como um “conjunto de ecorregiões, fauna, flora e dinâmicas e processos ecológicos similares”, sendo composto por florestas tropicais úmidas, extensa rede hidrográfica e enorme biodiversidade.
A Amazônia Legal possui área total de 5.015.067,75 milhões de km² e inclui toda a área do bioma Amazônia, além de parte do bioma Cerrado e Pantanal. Compreende todos os Estados da Região Norte – Acre, Amazonas, Amapá, Pará, Rondônia, Roraima e Tocantins, Mato Grosso e parte do Maranhão -. Dessa maneira, a Amazônia Legal representa 58,9% do território nacional, distribuído por 808 municípios, que representa 67% das florestas tropicais do mundo (IBGE, 2020).
O governo federal estimulou a ocupação da Amazônia no século passado com projetos de desenvolvimento local e programas de colonização, em que Milhares de famílias foram instaladas de forma precária em terrenos da União, sem que fosse realizada a devida Regularização Fundiária.
Vale ressaltar, que o INCRA é o principal órgão do Sistema de Administração Fundiária Federal, cabendo a esse órgão a realização do Ordenamento Fundiário Nacional e a execução da Reforma Agrária e da Regularização Fundiária em terras públicas federais, além de também ter atribuição na inscrição dos imóveis públicos e privados no SNCR e na certificação do perímetro georreferenciado desses imóveis por meio do SIGEF, bem como é o responsável pela discriminação, pela arrecadação e pela destinação das terras devolutas federais.
Por sua vez, os Institutos de Terras dos Estados são os responsáveis pela gestão das terras públicas estaduais, inclusive as terras devolutas e remanescentes, incluindo o papel da arrecadação e da destinação de terras em seu território, com a sua respectiva regularização fundiária.
A Amazônia Legal, desta maneira deve ser analisada com presteza pelos brasileiros, em especial os seus habitantes, com o intuito de garantir sua conservação e preservação, sendo necessárias prudência e observação pela sociedade concernente à elaboração de normas legislativas pelas casas de leis, visto que é marcada pela disputa de interesses, entre as classes sociais, os partidos políticos e as empresas nacionais e internacionais que tem interesse em acessar suas riquezas naturais.
É notório que as legislações nacionais e regionais não representam os anseios dos seus ocupantes. As normas elaboradas e publicadas são na maioria para atender demandas de classes dominantes sobre seus ocupantes, que somente tem o dever legal de cumprimento, limitando dessa forma atuação das cadeias produtivas sem representação nas casas de leis.
Para quem labuta na área agraria e ambiental e vem acompanhando as legislações ou mesmo vivenciando essas alterações normativas nas últimas décadas observa-se que os conflitos agrários só intensificam com a edição de novas leis, em que a maioria não dialoga com as aspirações da real necessidade da sociedade, em especial com seus ocupantes e quem tem posse e propriedade consolidada.
A Lei n°. 11.952, de 25 de junho de 2009, que dispõe sobre a regularização fundiária das ocupações incidentes em terras situadas em áreas da União, no âmbito da Amazônia Legal, nem chegou a ser aplicada adequadamente, sofrendo diversas alterações normativas, sendo bastante alterada principalmente pela Lei n.º 13.465, de 11 de julho de 2017, significando que é difícil ou impossível haver regularização fundiária na Amazônia Legal para atender, principalmente, quem tem posse e ocupações legitimas e propriedade consolidada.
Em face do cenário atual, é necessário repensar políticas públicas de reforma agrária e de regularização fundiária para Amazônia Legal, com foco principal na Regularização Fundiária, visto que não pode ser eterno a Reforma Agrária, principalmente com os modelos adotados que fracassaram no país, estabelecendo um ciclo vicioso de alteração normativa para regularizar terras públicas.
Tendo em vista que a situação atual mais complica do que avança na problemática de terras públicas na Amazônia Legal, é necessário esforço e participação da sociedade sobre essa reflexão, principalmente quanto aos aspectos reais e obrigacionais, para desmitificar os verdadeiros motivos que levam as casas legislativas de confundir os institutos da Regularização Fundiária e a Reforma Agrária, visando almejar uma contrarreforma agrária na Amazônia Legal.
É importante observar que a Regularização Fundiária não realiza distribuição de terras, e por isso não pode ser confundida e muito menos colocada como substituto da Reforma Agrária. Desta forma, fica claro que são institutos antagônicos.
No aspecto analítico das normas de regularização fundiária para a Amazônia Legal percebemos como essas normativas influenciam na realidade dos agricultores familiares causando fragilidade jurídica e econômica, fato que reflete diretamente na incapacidade de inserção social e política dos mesmos, principalmente pelas exigências que contem essas leis e que infelizmente esses agricultores familiares não conseguem atender a burocracia imposta, corroborado pela ausência técnica de assistência do poder público que permita o atendimento desses requisitos técnicos.
O Estado, com as Leis n°. 11.952/2009 e 13.465/2017, ao invés de exercer o papel moderador para a regularização fundiária, dificultou ainda mais seus efeitos jurídicos deixando de alcançar as relações que se formariam a partir do vínculo entre o homem e a terra, visto que as exigências legais e de ausência de capital humano dos órgãos de terra impediram de privilegiar as situações que se encontravam consolidadas, de modo a tutelar os agricultores que, de fato, conferem uma destinação adequada e produtiva a terra na Amazônia.
Outro fato importante para observação, diz respeito que a Regularização Rural, que não pode ser um indutor para estancar a Reforma Agrária, visto que os dois institutos quando aplicados corretamente podem atuar conjuntamente para a justa ocupação, titulação e distribuição de terras. Claro que há necessidade de primeiro promover uma auditoria na Política Pública de Reforma Agrária, em que nesses órgãos de terras houve influência política e muitas dessas destinações não preenchem os requisitos legais exigidos para esses beneficiários, sem olvidar que há necessidade de adequação dos modelos pensados para a Amazônia Legal em que fracassaram.
Pode-se afirmar que, em razão desse cenário de politicas públicas para a Amazônia Legal é necessário uma Nova Contextualização buscando compreender a análise histórica da formação da região, as formas de ocupação, de apropriação e de expropriação da terra ao longo do tempo, bem como a moderna concepção da territorialidade, tendo como enfoque os requisitos para a regularização fundiária e como ocorre a concessão do título de domínio, com um olhar institucional principalmente para a transformação da terra em mercadoria e a identificação da terra como ferramenta de ocupação.
Vale ressaltar que a implementação das políticas públicas é sempre ineficiente e tardia, e dentro desse paradigma é necessário um olhar critico para as leis que tem sido elaborada como é o caso para os processos de regularização fundiários, que são burocráticas e devido a sua inaplicabilidade as terras acabam sendo mercantilizadas e estrangeirizadas, e o agricultor familiar não consegue obter os documentos da terra, mesmo tendo posse e ocupação legitima e propriedade consolidada.
Por conseguinte, em detrimento da falta de regularização das terras, os posseiros e os ocupantes legítimos não conseguem a sua titularidade e os grandes fazendeiros grileiros permanecem na terra através da força e da violência, por isso questiona-se como a função social da terra é empregada na região, que mesmo após tantas mortes e tantos conflitos o governo brasileiro ao logo das décadas se escusa em trazer soluções destas questões sociais.
Nessa linha de raciocínio é salutar vislumbrar que ao realizar a regularização fundiária, o título de propriedade é conferido ao ocupante e ao posseiro legitimo da terra pública. Isso permite o desenvolvimento econômico da Amazônia Legal, com a atribuição de direitos e responsabilidades ao novo proprietário, garantindo, ainda, sua inclusão social a partir do acesso a políticas públicas e à tutela do Estado, no entanto, não basta ter o título da terra, sendo necessário que o novo proprietário tenha condições de tornar a terra produtiva, com oportunidade de diversificar a produção.
Em sentido contrário, deduzir-se que os conflitos agrários da região devem continuar intensificados. Desta forma, verifica-se a importância da aplicação adequada da lei de regularização fundiária rural, no entanto, mostra-se uma tarefa difícil, visto que o excesso de burocracia e a ausência de capital humano suficiente para realizar o processo de regularização continuam sendo um obstáculo.
Por oportuno, há necessidade de considerar este cenário de maneira crítica, pois ao regularizar as grandes propriedades e os projetos de assentamento, aumenta-se massivamente o quantitativo de terras no mercado, e aponta para um esvaziamento na política de reforma agrária no Brasil e a grande possibilidade da estrangeirização das nossas terras, em que esses processos envolvem a territorialização do capital e a desterritorialização e reterritorialização de comunidades camponesas, em que está situação configura a nova contrarreforma agrária que deve ser veementemente combatida por toda sociedade da Amazônia Legal.
Por todo o exposto, entendemos que os problemas fundiários da Amazônia Legal, estão muito longe de serem resolvidos, pois as normas elaboradas para regularização fundiária apresentam incoerências e até mesmo injustiças quando observamos sua aplicação, principalmente na avaliação da terra nua que é um ato discricionário realizado pelo INCRA e pelos Institutos de terras nos Estados da Amazônia Legal.
Portanto, é necessário na Amazônia Legal, esse olhar para a nova contrarreforma agrária e de evitar a participação popular na elaboração das políticas públicas e de normativas, que tem ganhado espaço e ao mesmo tempo se observa a configuração de uma nova orientação orquestrada que produz uma redução nas generalizações e nos objetos de análise, em relação aos institutos da regularização fundiária e da reforma agrária, nas elaborações das leis.
Sintetizando tudo, há na Amazônia Legal “duas atenuantes” perigosas para as questões de terras: A Contrarreforma Agrária e o Novo Institucionalismo da Distribuição de Terras, muito atrelado aos grandes negócios nacionais e aos
organismos internacionais de países europeus, desconstituindo direitos dos verdadeiros ocupantes desses territórios, que por interesses obscuros, arrecadatório, mercantilista, e estrangeirização, menosprezam as posses e ocupações legitimas, e as propriedades consolidadas.
eAdvogado e professor com atuação em Direito Ambiental, Agrário e Administrativo. Técnico Agrícola, Graduado em Bacharel em Direito, em
Administração de Empresas, em Arquivologia, em Ciências Agrícolas. Pós-
graduação em Desenvolvimento Sustentável e Gestão Ambiental, em Direito
Ambiental e Política Pública, em Arquivologia, em Metodologia Cientifica, em
Advocacia Eleitoral, e Mestre em Direito Ambiental e Política Pública. Autor de Obras
em Direito Ambiental e Agrário e de Política Pública, Vice-Presidente da Comissão
Nacional de Regularização Fundiária da UBAU-Região Norte, Presidente da Pasta
Ambiental da UBAM, já foi Secretário de Estado de Meio Ambiente, Membro da
Anamma e da Abema, e Presidente da Comissão de Meio Ambiente da OAB/AP.