Egon Bockmann: “Temos de considerar a geoinformação como infraestrutura de rede de livre acesso” ‘ GEOCRACIA.COM

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Egon Bockmann Moreira, membro da Comissão de Direito Administrativo da OAB

Membro das comissões de Direito Administrativo da OAB Federal e de Arbitragem da OAB Paraná, o professor de Direito Econômico na Universidade Federal do Paraná (UFPR) Egon Bockmann Moreira defende que esse é o grande desafio do Marco Legal das Startups (Lei Complementar nº 182), se quisermos uma construção jurídica que nos alinhe ao que há de mais contemporâneo no domínio da geoinformação mundial. Em entrevista exclusiva para o Geocracia, Bockmann reconhece que a geoinformação de qualidade pode concentrar enorme quantidade de poder socioeconômico e político. Para evitar isso, “precisamos dar um passo avante e considerar a geoinformação como uma infraestrutura de rede que merece ter livre acesso por parte de todos os operadores, com ou sem remuneração pelo uso”.

A LC nº 182, de 1º de junho de 2021, instituiu o Marco Legal das Startups e do empreendedorismo inovador. Quais são os principais avanços para o país?

A LC 182/2021 reforça o dever do Estado brasileiro de se posicionar como “agente normativo e regulador da atividade econômica”, sobretudo por meio de incentivos ao setor privado (Constituição, art. 174). Mas não a qualquer pessoa nem, muito menos, a grandes conglomerados. A LC 182 define o dever de estímulos à inovação tecnológica feita por empresas de pequeno porte. Isso é importante: o small is beautifiul como escolha pública, que permitirá às startups desenvolver tecnologias disruptivas e, assim, criar concorrência com as grandes empresas.

Como empresas que possuem obrigações de investimento em pesquisa, desenvolvimento e inovação poderão atuar e financiar o setor de geoinformação com base nessa nova legislação?

O coração da LC 182 é a proteção àqueles que dispõem de capital e precisam de proteção jurídica reforçada para fazer investimentos em sociedades empresariais de menor porte, mas que possuam potencial inovador. Isso assume significado especial nas sociedades que se relacionarem com os fundos patrimoniais disciplinados pela Lei 13.800/2019, entre outras modalidades de investimentos de apoio à pesquisa e inovação. O setor de geoinformação entrelaça atividades científicas e tecnológicas de impacto imediato nas nossas vidas e, sobretudo, nas tarefas do Estado. Basta dizer que todos os dados estatais e corporativos necessitam estar atualizados e seguros em termos de geoinformação para constatarmos o quão importante é a não-concentração da pesquisa nesse setor (sob pena de enorme concentração de poder e risco de seu abuso).

A corrida pelos dados se transformou no novo petróleo do século 21. Isso trouxe especial impacto para a indústria de geoinformação, com soluções de grandes empresas (Google, Apple, Here Maps, Uber etc) dificultando a entrada no setor de mapeamento de novos players com alta eficácia e baixo custo para o usuário. Como a lei de startups pode ajudar o Brasil a desenvolver setores com o domínio tecnológico altamente concentrado?

Existem duas ordens de fatos que são certos: todos – especialmente o Estado – necessitam de acesso a dados consistentes de geoinformação; e o acesso precisa ser disciplinado a informações fidedignas e cientificamente avançadas. Não fosse a teoria da relatividade, hoje não teríamos o sistema GPS: sem Einstein, as viagens de avião, navio, e os passeios de carros careceriam da necessária “calibração” por meio dos satélites de GPS.

Em relação aos programas de ambiente regulatório experimental (sandbox regulatório), a geoinformação muitas vezes foi vista como inimiga das empresas. Hoje, um simples celular pode mapear diversos buracos ou inconformidades em rodovias e rapidamente enviar fotos às agências reguladoras competentes, se convertendo em dor de cabeça para concessionários. Como o sandbox regulatório pode contribuir para harmonizar o uso intensivo de tecnologia para o bem da coletividade sem acuar concessionários?

Normalmente, os seres humanos e as sociedades empresariais por eles geridas têm aversão ao novo. Não é devido a um acaso que algumas tecnologias são chamadas de disruptivas: elas “fraturam” o status quo e exigem correções de rotas, muitas vezes onerosas demais para os operadores históricos. Porém, fato é que alguns setores – e respectivos agentes – desenvolvem suas atividades em ambientes contratualizados, pré-definidores dos deveres, obrigações e direitos (o que permite a projeção de investimentos, despesas e receitas para o longo prazo). As alterações podem ter impacto no equilíbrio econômico-financeiro e isso deve ser levado em conta, sob pena de impedir a execução dos contratos. Logo, a solução está em harmonizar as perspectivas e desenvolver soluções inéditas que permitam gerar eficiência nos contratos – e isso merece ser levado em consideração pelas startups, inclusive por meio do modelo sandbox.

Está disseminado mundo afora o conceito de que geoinformação se transformou em uma essential facility. Os EUA fizeram isso em 1994, a União Europeia, em 2007, e diversos países, incluindo vizinhos nossos, seguem esses passos. Semana passada, a Etiópia anunciou sua plataforma única de dados geográficos. Em sua opinião, considerando os avanços recentes em relação à lei de licitações e das startups, como o Brasil poderia evoluir para uma construção jurídica que nos alinhe ao que há de mais contemporâneo no mundo nesse setor?

Esse talvez seja o grande desafio. A geoinformação de qualidade pode concentrar enorme quantidade de poder socioeconômico e político. Como em qualquer concentração excessiva, isso não é bom, pois instala a semente do abuso. Não são poucas as teorias conspiratórias que enxergam a possibilidade de controlar o mundo por meio de plataformas – o que não deixa de ser verdade em alguns setores e precisa ser levado em conta. Precisamos, portanto, dar um passo avante, a fim de considerar a geoinformação como uma infraestrutura de rede que merece ter livre acesso por parte de todos os operadores, com ou sem remuneração pelo uso

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